terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Autores Recomendados 2


Toda terça o blog A doutrina Social, irá postar sobre autores recomendando para apronfudamento da Doutrina Social da Igreja, teólogos, filósofos, jornalistas, historiadores e romancistas que mostraram seu amor e respeito a verdade evagélica dentro das suas profissões, épocas e possibilidades.
G. K. Chesterton
Gilbert Keith Chesterton, conhecido como G. K. Chesterton, (Londres, 29 de maio de 1874 — Beaconsfield, 14 de junho de 1936) foi um escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico. Igualmente trilhou pelo campo da economia1 . É conhecido como o "príncipe do paradoxo" pelo conteúdo argumentativo brilhante de sua obra.

Ele, juntamente com seu amigo Hilaire Belloc, criou o Distributismo. Uma teoria econômica baseada nos princípios evangélicos e nos ensinamentos Papais, especialmente na encíclica do Papa Leão XIII, Rerum Novarum. Com este propõe o direito à propriedade privada, estando contra o socialismo mas também contra o liberalismo que tinha raízes protestantes. Sob essa vontade, no dia 17 de setembro de 1926, Chesterton e Belloc criaram a Liga Distributista. Essa liga tinha como objetivo “restaurar a propriedade”, segundo pronunciou Chesterton no discurso inaugural. Chesterton foi eleito o primeiro presidente da Liga. Ele escreveu uma série de artigos no G.K.’s Weekly, os quais foram compilados no livro The Outline of Sanity (1926).

Pelo seu conservadorismo cristão e sua facilidade em sintetizar pensamentos, hoje é muito fácil encontrar suas citações pela Internet.

É muito fácil encontrar seus livros até em grandes livrarias no Brasil, para mais informações acesse a Sociedade Chesterton Brasil.

Thomas Caetano
Tomás Caetano em Português, Tommaso De Vio, conhecido como Caetano (Gaeta, 20 de Fevereiro de 1469 — Roma, 9 de Agosto de 1534) foi um frade dominicano, exegeta, filósofo, teólogo e cardeal italiano.

De família nobre, nascido como Jacobo ou Giacomo, desde criança era muito devoto e amante do estudo. Entrou aos dezesseis anos para a Ordem dos Pregadores contra os desejos da sua família. Como estudante em Nápoles, Bolonha e Pádua era o preferido dos seus professores e colegas. Bacharel em teologia em 1492 e doutor em 1494.

Ordenado sacerdote em 1491, foi professor de «sentenças» e metafisica em 1493, em Pádua, professor de teologia em Brescia (1497). Foi nomeado procurador geral da sua ordem em 1501 e vigário-geral em 1507 por morte do então Mestre Geral. eleito como seu sucessor no Capítulo de 1509. Trabalhou para evitar o cisma provocado pelo Concílio de Pisa, convocado para deposição de Júlio II, defendeu o Papa redigindo a obra Tractatus de Comparatione auctoritatis Papæ et conciliorum ad invicem e defendeu a reforma da Igreja no V Concílio de Latrão tendo tido um papel primordial na defesa e reconhecimento da infalibilidade papal e na autoridade suprema do Bispo de Roma sobre os concílios.

Foi criado Cardeal no consistório de 1 de Julho de 1517 e eleito arcebispo de Palermo em 1518, do qual nunca chegou as tomar posse, por oposição do Senado da cidade, resignando em 1519 e sendo transferido para a diocese de Gaeta onde permaneceu até à sua morte.

Notável teólogo, opôs-se a Martinho Lutero e encontrou-se com ele, tentando que renunciasse ao cisma. Votou favoravelmente pela validade do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão. Escreveu comentários à Summa Teológica de Tomás de Aquino, que o Papa Leão XIII ordenou que fossem juntos à edição original para estudo e formação dos clérigos.

Sua obras não são de fácil acesso, mas é possível encontrar algumas coisas pela internet.

Reginald Garrigou-Lagrange
Reginald Marie Garrigou-Lagrange, O.P. (Auch, França, 21 de fevereiro de 1877, – Roma, Itália, 15 de fevereiro de 1964) foi um monge dominicano e um dos maiores teólogos do Século XX. Entre os tomistas é considerado uma das maiores autoridades devido à sua inteligência e memoria brilhante. Lecionou no Angélico em Roma entre 1909 e 1960.
Frade Garrigou-Lagrange se tornou conhecido ao escrever contra os modernistas e, posteriormente devido a seus escritos espirituais de profundo pensamento teologico. Propôs uma tese sobre a contemplação infusa resultante da vida mistica como uma via normal de santidade na perfeição Cristã. Seus grandes classicos estão no "The Three Ages of the Interior Life". Teve ainda muitos alunos ilustres, entre eles o Papa João Paulo II.
Produziu 28 livros (a maioria sem tradução para o português).

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Projeto de lei que inclui ideologia de gênero na educação nacional em votação em Brasília


SÃO PAULO, 02 Abr. 14 / 05:42 pm (ACI).-
Por iniciativa do deputado Ângelo Vanhoni, do PT do Paraná, atual relator
do Plano Nacional de Educação, também conhecido como Projeto de Lei
8035/2010, com a assessoria do Ministério da Educação do governo
Rousseff, recolocou, no parecer apresentado à Comissão Especial que
votará o PNE (Plano Nacional da Educação)  constando a re-inserção da
ideologia de gênero como meta da educação brasileira nesta quinta-feira,
2 de abril.

Falando contra este projeto de Lei, contrário a qualquer propósito que
melhore substancialmente a precária educação no Brasil, o bispo auxiliar
do Rio de Janeiro, Dom Antônio Augusto Duarte, afirma que "educar" não é
"ideologizar".

“A transmissão de idéias, de opiniões, de linhas de pensamento, que
condicionam e manipulam a razão e os sentimentos humanos é, com certeza,
uma ideologização. O país precisa de ideologias manipuladoras e
impostas para ser um Brasil destacável no cenário internacional? Com
certeza, não!!”, afirma o bispo.

“Sabe-se que toda ideologia introduzida nos planos de educação para a infância e a juventude tem, sem sombra de dúvida, a pretensão de “conquistar inteligências”, a fim de utilizar as crianças e os jovens para objetivos de determinados grupos, com
instruções duvidosas ou, inclusive, com objetivos bem declarados no
nosso meio político cultural”, explicou.


“A ideologia do gênero é uma dessas pretensiosas tentativas de
“arrebanhar” pessoas no período de formação intelectual e ética, onde
são colocados os principais alicerces das verdades e dos valores
fundamentais, para que sobre eles se edifiquem as restantes etapas de
desenvolvimento humano e social”.

“A ideologia do gênero possui várias ferramentas para manipular a
linguagem e para desinformar as pessoas, tanto as pessoas do corpo
docente – professores – como as do corpo discente – alunos –; umas
dessas ferramentas, e muito utilizada na cultura atual, é a palavra
discriminação”, ressaltou o prelado.

“Essa ideologização da educação acaba oferecendo aos futuros
construtores da civilização brasileira e da cultura do povo mais
acolhedor do mundo, a oportunidade de “monopolizarem” os três alicerces
fundamentais da sociedade: a sexualidade humana, a família e os valores
éticos. A ideologia do gênero é tão perniciosa, que não atrai nem
convence as pessoas bem educadas, e por isso mesmo, só pode ser
implantada de forma totalitária.Trata-se, em definitiva, da ditadura do
relativismo, tão de moda numa sociedade e numa cultura, que se
auto-intitulam democráticas”, asseverou o bispo.

“A educação não deve – não pode – ser entregue nas mãos desses “pseudo-
mestres” de “verdade geradas” na penumbra das idéias e das opiniões tão
alheias à dignidade da inteligência e da liberdade humana”, conclui Dom
Antonio Augusto.

Por sua parte o Cardeal Arcebispo do Rio, Dom Orani João Tempesta,
afirmou em um artigo alertando sobre o perigo da aprovação do projeto,
que o mesmo constitui “uma afronta às famílias brasileiras responsáveis
pelas novas gerações, pois introduz, oficialmente, no ensino nacional a
revolucionária, sorrateira e perigosa “ideologia de gênero” desmascarada
mais de uma vez por estudiosos de renome”.

“É importante saber que a palavra gênero substitui – por uma ardilosa e
bem planejada manipulação da linguagem – o termo sexo. Tal substituição
não se dá, porém, como um sinônimo, mas, sim, como um vocábulo novo
capaz de implantar na mente e nos costumes das pessoas conceitos e
práticas inimagináveis”.

“Nesse modelo inovador de sociedade, não existiria mais homem e mulher
distintos segundo a natureza, mas, ao contrário, só haveria um ser
humano neutro ou indefinido que a sociedade – e não o próprio sujeito –
faria ser homem ou mulher, segundo as funções que lhe oferecer”.

“Vê-se, portanto, quão arbitrária, antinatural e anticristã é a
ideologia de gênero contida no Plano Nacional de Educação (PNE) e que
por essa razão merece a sadia reação dos cristãos e de todas as pessoas
de boa vontade a fim de pedir que nossos representantes no Congresso
Nacional façam, mais uma vez, jus ao encargo que têm de serem nossos
representantes e rejeitem, peremptoriamente, a ideologia de gênero em
nosso sistema de ensino”, conclui o Cardeal Tempesta.

As formas de manifestar a oposição ao projeto são:

a) assinatura em uma plataforma específica no  http://www.citizengo.org/pt-pt/5312-ideologia-genero-na-educacao-nao-obrigado

b) ligação gratuita pelo telefone 0800 619 619. Tecla “9” pedindo a rejeição à ideologia de gênero em nosso sistema educacional.

Etiquetas:
ideologia de gênero, educação, PT, Cardeal Tempesta, Dom Antônio Augusto Duarte

Gastem em educação, não em armas nucleares, pede o Papa Francisco


Vaticano, 10 Dez. 14 / 01:36 am (ACI).-
Apaz deve construir-se sobre a justiça e o desenvolvimento dos povos e
não sobre a ameaça nuclear, assinalou o Papa Francisco no discurso por
ocasião da Conferência sobre o Impacto Humanitário das Armas Nucleares,
no qual criticou que se gastem as riquezas das nações em detrimento da
educação, da saúde e da luta contra a pobreza.

A mensagem foi enviada para o ministro federal para a Europa, a
Integração e os Assuntos Exteriores da Áustria, Sebastian Kurz,
anfitrião do evento que termina nesta terça-feira.

Em sua mensagem, o Papa recordou que “as consequências humanitárias das
armas nucleares são previsíveis e planetárias e, enquanto que muitas
vezes nos centramos no potencial das armas nucleares para a destruição
em massa, deveríamos prestar mais atenção ao ‘sofrimento inútil’ causado
por sua utilização”.

“Os códigos militares e o direito internacional, entre outros, condenam
há muito tempo às pessoas que infligem sofrimentos inúteis. Se esses
sofrimentos são condenados durante uma guerra convencional, deveriam ser
condenados ainda mais no caso de uma guerra nuclear. Há alguns entre
nós que foram vítimas deste tipo de armas e nos advertem para não
cometer os mesmos erros irreparáveis que devastaram aos povos e à
criação”, assinalou.

“A dissuasão nuclear e a ameaça de uma segura mútua destruição
–advertiu- não podem ser a base para uma ética da fraternidade e
coexistência pacífica entre os povos e os Estados... É tempo agora de
contrapor a lógica do medo com a ética da responsabilidade, e assim
promover um clima de confiança e diálogo sincero”.

Nesse sentido, disse que “esbanjar em armas nucleares desperdiça a
riqueza das nações. Priorizar tal despesa é um erro e má destinação de
recursos que seriam muito melhor investidos nas áreas do desenvolvimento
integral, educação, saúde e a luta contra a pobreza extrema. Quando
estes recursos são desperdiçados, os pobres e os fracos que vivem nas
margens da sociedade pagam o preço”.

Francisco recordou que “o desejo pela paz, segurança e estabilidade é um
dos anseios mais profundas do coração humano, e está enraizado no
Criador que fez de todos os povos membros da mesma família humana. Esta
aspiração não pode ser satisfeita só por meios militares, e menos ainda
pela posse de armas nucleares e outras armas de destruição em massa”.

“A paz –assinalou–, deve construir-se sobre a justiça, sobre o
desenvolvimento socioeconômico, a liberdade, o respeito dos direitos
humanos fundamentais, na participação de todos nos assuntos públicos e
na construção da confiança entre os povos”.

“O Papa Paulo VI resumiu tudo isso em sua encíclica Populorum
progressio: ‘O desenvolvimento é o novo nome da paz’. Temos a
responsabilidade de empreender ações concretas que promovam a paz e a
segurança, estando sempre atentos ao limite que supõem os enfoques a
curto prazo dos problemas de segurança nacional e internacional”,
indicou.

Por isso, alentou os assistentes a estabelecerem “um diálogo sincero e
aberto entre as partes que estão dentro de cada Estado que tem armas
nucleares, entre os vários Estados que têm armas nucleares, e entre
estes e os Estados desprovidos de armas nucleares”.

“Este diálogo deve ser inclusivo, envolvendo as organizações
internacionais, as comunidades religiosas e a sociedade civil; deve
estar orientado para o bem comum e não à proteção dos interesses
especiais”.

“‘Um mundo sem armas nucleares’ é um objetivo partilhado por todas as
nações” e é a “aspiração de milhões de homens e mulheres. O futuro e a
sobrevivência da família humana exigem que consigamos ir para além deste
ideal e asseguremos que ele se transforme em uma realidade”, assinalou.

Etiquetas:
Papa Francisco, educação, Armas Nucleares







terça-feira, 9 de dezembro de 2014

C S Lewis - Do ateísmo ao teísmo

Em entrevista Papa Francisco afirma que divorciados em segunda união não estão excomungados

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Papa Francisco esclarece em entrevista que não 'expulsou' o Cardeal Burke

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Toda terça o blog A doutrina Social, irá postar sobre autores recomendando para apronfudamento da Doutrina Social da Igreja, teólogos, filósofos, jornalistas, historiadores e romancistas que mostraram seu amor e respeito a verdade evagélica dentro das suas profissões, épocas e possibilidades.

Thomas Malcolm Mudgerige
Thomas Malcolm Muggeridge (Croydon, Surrey, 24 de março de 1903 – Robertsbridge, 14 de novembro de 1990) foi um jornalista, escritor, satirista, soldado-espião e um acadêmico cristão britânico.Muggeridge em seus últimos anos ajudou a popularizar Madre Teresa de Calcutá e defendeu a Igreja Católica.

Mugeridege lutou na Segunda Guerra Mundial,foi espião do MI6 e reitor da Universidade de Edinburgo e denunciou o genocídio promovido por Josef Stalin na Ucrânia criticando fortemente a ocultação deste acontecimento realizada por jornalistas simpáticos à ditadura soviética. Pela sua luta a causa de mostrar ao mundo o trágico Holodomor, foi perseguido, demitido e apartir disso inicia sua conversão a igreja a católica.

Tendo passado boa parte de sua vida como agnóstico, Muggeride se converteu ao cristianismo, e escreveu "Redescobrindo Jesus" em 1969, uma coleção de sermões e artigos sobre sua nova fé. Em 1976 escreveu Jesus, O Homem Que Vive, um best seller.

Poucas obras em Português, mas vale muito a pena conhecer esse autor.

Ethienne Gilson
Étienne Gilson (Paris, 13 de Junho de 1884 — Auxerre (Departamento de Yonne), 19 de Setembro de 1978) foi um filósofo e historiador da filosofia e um dos mais destacados autores da filosofia neo-escolástica, especialista no estudo da obra de São Tomás de Aquino.

Os seus estudos sobre o pensamento medieval e em particular da obra de Tomás de Aquino são uma de melhores aproximações ao tema. Entre 1921 e 1932 ensinou filosofia medieval na Sorbonne de Paris. Pertenceu ao Collège de France e ajudou a fundar o Instituto Pontifício de Estudos Medievais de Toronto, no Canadá. Foi o líder do neotomismo católico em sua época. Foi eleito membro da Academia Francesa em 1946.
Foi também um incansável defensor da Filosofia Cristã, defendendo a sua real existência, a sua historicidade, a sua importância na história do pensamento em geral e a sua função na Filosofia, na Teologia e na Igreja Católica.

Tem dezenas de títulos lançandos em Português.

Daniel Rops
Daniel-Rops (Épinal, 19 de janeiro de 1901 – Aix-les-Bains, 27 de julho de 1965) foi um escritor e historiador francês cujo verdadeiro nome era Henri Petiot.
Foi professor de História e diretor da revista Ecclesia (Paris), e tornou-se mundialmente famoso sobretudo pelas obras de historiografia que publicou: a coleção História Sagrada, que abrange os volumes: O povo bíblico (1943), Jesus no seu tempo (1945) e os onze tomos desta História da Igreja de Cristo (1948-65). Também foi autor de diversos ensaios, obras de literatura infantil e romances históricos, entre os quais destacam-se: Morte, onde está a tua vitória? (1934) e A espada de fogo (1938). Foi eleito para a Academia Francesa em 1955.

Os onze tomos da História da Igreja, são uma das melhores obras da historiografia cristã já lançadas.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Teologia da Libertação e volta ao fundamento de Clodovis Boff


Segue um excelente artigo sobre a situação real da Teologia da Libertação, escrito por Clodovis Boff, o qual foi meu professor durante dois anos, e por ser um grande teologo católico, tenho grande admiração. Esse artigo foi alvo de críticas severas por parte da ala radical da Teologia da Libertação, muitos utilizando Argumentum ad hominem e deixando a questão teologica limadas a questões politicas, enquanto Clodovis intelectualmente segue uma linha quase anagogica e profudamente evangélica.

Teologia da Libertação e volta ao fundamento
Fr. Dr. Clodovis M. Boff, OSM.

Síntese: Quer-se mostrar aqui que a Teologia da Libertação partiu bem, mas, devido à sua ambigüidade epistemológica, acabou se desencaminhando: colocou os pobres em lugar de Cristo. Dessa inversão de fundo resultou um segundo equívoco: instrumentalização da fé "para" a libertação. Erros fatais, por comprometerem os bons frutos desta oportuna teologia. Numa segunda parte, expõe-se a lógica da Conferência de Aparecida, que ajuda aquela teologia a "voltar ao fundamento": arrancar de Cristo e, a partir daí, resgatar os pobres.

Queremos aqui, numa primeira parte, fazer um questionamento de fundo da Teologia da Libertação (=TdL). A intenção não é desqualificar a TdL, mas, antes, defini-la de modo mais claro e refundá-la sobre bases originárias. Só assim se podem garantir seus ganhos inegáveis e seu futuro.

Apresentaremos, num segundo momento, a lógica que o Documento de Aparecida pôs em operação. Entendemos mostrar por aí como a TdL pode ser reconduzida aos seus fundamentos, ser incorporada num horizonte mais amplo e, assim, assegurar o que ela tem de melhor.

Reconhecemos que a análise que faremos da TdL é um tanto trabalhosa e sinuosa, enquanto a de Aparecida é mais fluente e linear. De todos os modos, andaremos aqui a grandes passadas, sem podermos explicar tudo e nem nos determos em detalhes.

I. TdL e sua funesta ambigüidade

A questão: ambigüidade epistemológica acerca do fundamento

Falando em TdL, não visamos aqui a TdL ideal, tal como foi projetada e proposta por seus founding Fathers, sobretudo por Gustavo Gutiérrez. Falamos mais precisamente da TdL “realmente existente”, a que tem atrás de si quase quarenta anos de caminhada e cuja evolução já deixa ver traços exigindo crítica e retificação.

Ora, a atual TdL, prática e mesmo confessadamente, confere primazia (prioridade ou centralidade) ao pobre e à sua libertação. A “opção pelos pobres” seria seu eixo ou centro epistemológico. Diz-se também que o pobre ou a realidade do pobre é o “ponto de partida” dessa teologia. Esta adota a “ótica do pobre”. Tudo isso é sabido e é, aliás, o que caracteriza essa teologia.

A prioridade do pobre e de sua libertação se tornou na TdL um pressuposto quase que “evidente por si mesmo”. Aí está posto sem problemas. Contudo, está posto de modo teoricamente indeciso e confuso, permitindo ambigüidades, equívocos e reduções.

Sem nenhuma dúvida, na TdL, a “opção pelos pobres”, como tema fundamental, está fundada teologicamente (na Bíblia e na Tradição). Contudo, como princípio epistemológico particular, conferindo uma perspectiva determinada, permanece largamente impensada e não discutida nos meios “liberacionistas”. Está aí posta sem advertência epistemológica, gerando confusão tanto na teoria como na prática.

Neste ponto, a própria linguagem “liberacionista” é sem rigor. Jon Sobrino, por exemplo, fala dos pobres como a instância que dá a “direção fundamental” à fé e como sendo seu “lugar mais decisivo”. Com toda a evidência, estes dois qualificativos “fundamental” e “decisivo” são jogados aí de modo descuidado. Pois não cabem, em absoluto, aos pobres, mas sim à “fé apostólica transmitida pela Igreja”, como lembra, de modo pertinente, a “notificação” romana, questionando certos pontos da cristologia do referido teólogo (n. 2). Pode-se, no máximo, adivinhar e talvez justificar o que quer dizer Sobrino com aquelas expressões.

Agora, quando se questiona o pobre como princípio e se pergunta se não é antes o Deus de Jesus Cristo, a TdL costuma recuar e não nega. E nem poderia, pois Deus está em primeiro lugar, por definição. Razão e fé aqui se unem para afirma-lo. É, aliás, em teologia, o “óbvio ululante”, que paradoxalmente se torna uma “evidência ofuscante”. Não é que a TdL afirme “de pés juntos” a primazia epistemológica dos pobres e de sua libertação. Também não rejeita explicitamente a primazia de Deus e da fé. O que faz problema na TdL é sua indefinição sobre uma questão que é capital na esfera do método.

Se por “estatuto epistemológico” se entende o assento firme e o quadro seguro que conferem a uma disciplina científica a ordem de seu discurso (o étimo “st” de estatuo e de epistemologia o indica), devemos dizer que justamente isso parece faltar hoje à TdL.

E é de se temer que o uso, nesta teologia, da linguagem analógica (libertação: social e espiritual; pobre: econômico e existencial; Reino: de justiça e de graça etc.), em vez de resolver, complique ainda mais a falta de definição teórica, pelo fato de favorecer o caráter resvaladiço do discurso, permitindo que o teólogo, acossado num plano semântico, escorregue de modo sub-reptício para o outro. Aqui, a analogia, de indispensável instrumento de articulação teológica, torna-se o “subterfúgio da indecisão”.

Podemos, pois, dizer que a TdL vive o seguinte “drama teórico”: o que é decisivo permanece nela indeciso. Daí sua falta de consistência epistemológica. Mas sem consistência epistemológica, como pode uma teologia ser teoricamente consistente? E sem uma teologia consistente, como pode ser consistente a pastoral que nela se apóia?

Ora, numa situação de indefinição, a tendência é “para baixo”, e isso por razões que não é o caso aqui de discutir, mas que as narinas de qualquer teólogo podem perceber. Assim, em contexto de hesitação epistemológica, entre Deus e o pobre, o pobre leva vantagem. Entre salvação e libertação, esta é favorecida. Assim, com a cumplicidade do nevoeiro epistemológico em que mergulhou, a TdL introduziu furtivamente o prius teológico do pobre.

Em resumo: por falta de uma epistemologia rigorosa e clara, a TdL labora em ambigüidades; laborando em ambigüidades, cai no erro de princípio. E do erro de princípio só podem provir efeitos funestos, como veremos em breve.

É um fato que a TdL é toda feita na “ótica dos pobres”. Ela assim o diz e assim o quer, e é também assim que praticamente o faz. É só analisar sua produção mais recente, onde o viés epistemológico “liberacionista” é mais evidente. A própria “pastoral da libertação”, levada adiante especialmente nas “pastorais sociais” e nas CEBs, é toda centrada nos pobres. É só assistir aos encontros dos agentes e militantes da libertação, para perceber como o bordão “pobres” domina o discurso. E o que ontem era viés virou hoje vezo.

Por outro lado, que seja a fé no Deus revelado o princípio primeiro da teologia, isso é aceito sem maiores problemas na TdL. Mas esse princípio não opera aí para valer. Representa apenas um dado pressuposto, que ficou para trás, e não um princípio operante, que continua sempre ativo. É um artigo de fé confessado, mas não uma perspectiva teórica que dá a cor dominante a todo o discurso libertador. Que dê alguma cor a esse discurso, é inevitável, já que se trata de teologia, mas é uma cor desbotada, para não dizer simples matiz.

Ora, é este o nó do problema. Pois o primado da fé, como não pode ser dado por descontado do ponto de vista existencial, também não pode sê-lo do ponto de vista epistemológico. O princípio-fé há de se manter sempre ativo, e isso não só na prática da vida, mas também na teoria teológica. Ora, sempre que esse princípio se manteve vivo, na forma de sensus fidei, ele imunizou os bons teólogos da libertação dos erros mais graves, como são os relativos ao princípio reitor da teologia.

A inversão e a conseqüente instrumentalização

Que acontece então na prática teórica da TdL? Acontece uma “inversão” de primado epistemológico. Não é mais Deus, mas o pobre, o primeiro princípio operativo da teologia. Mas, uma inversão dessas é um erro de prioridade; por outras, é um erro de princípio e, por isso, de perspectiva. E isso é grave, para não dizer fatal.

Que o pobre seja um princípio da teologia ou uma perspectiva (ótica ou enfoque), é possível, legítimo e mesmo oportuno. Mas apenas como princípio segundo, como prioridade relativa. Se assim é, a teologia que arranca daí, como é a TdL, só pode ser um “discurso de segunda ordem”, que supõe em sua base uma “teologia primeira”.

Contudo, não parece que a TdL tenha essa consciência, pois se pensa, para todos os efeitos, como uma teologia inteira à parte, substituindo ou dispensando a “teologia primeira” e fundindo ou, melhor, confundindo o nível “transcendental” com o “categorial”. Em sua prática teórica, continua a pôr o “pobre” como seu princípio, centro e fim. E ainda que não o faça com plena consciência e consentimento epistemológico, o resultado, na prática, é o mesmo, e isso, como dissemos, por causa da ambigüidade com que esta questão essencial é aí tratada.

Ora, quando o pobre adquire o estatuto de primum epistemológico, o que acontece com a fé e sua doutrina no nível da teologia e também da pastoral? Acontece a instrumentalização da fé em função do pobre. Cai-se no utilitarismo ou funcionalismo em relação à Palavra de Deus e à teologia em geral.

Que a fé seja útil, isso é certo, mas essa não é sua parte maior nem a mais importante. Uma fé usada principalmente de modo instrumental, sofre fatalmente uma capitis diminutio: é submetida a uma seleção e a uma interpretação de acordo com o que interessa à “ótica do pobre”. Sem dúvida, a fé preenche plenamente também esta ótica, mas também dela transborda por todos os lados, infinitamente.

Contra as críticas de que estaria usando “olheiras ideológicas”, a TdL apela para idéias como “margens de gratuidade” e “reserva escatológica” para afirmar seu respeito à transcendência da fé. Na verdade, a parte da transcendência é, nesta teologia, a parte menor e menos relevante, a “parte de leão” cabendo, como sempre, à “leitura libertadora” da fé.

O resultado inevitável é a redução da fé e, em especial, sua politização. Fala‐se aqui também, criticamente, da transformação da fé em ideologia. Isso procede toda a vez que se dá à ideologia o sentido preciso que lhe dá o Magistério: o de uma fé que decai de seu nível transcendente para a imanência da política.

Gravidade da questão e gravidade dos equívocos

Este é, pois, o ponto fraco da TdL: a falta de clareza quanto ao alcance epistemológico da opção pelos pobres. Esta é clara como tema, mas não como princípio de constituição e construção teológicas. Ora, a falta de clareza sobre o princípio leva necessariamente à falta de clareza sobre o caráter teológico do discurso. Daí a indefinição do atual discurso da TdL, balançando entre um discurso religioso e um discurso social e político.

Nada manifesta melhor a ambigüidade e confusão em que labora neste ponto a TdL do que a polêmica que levanta toda a vez que se trata do “ponto de partida” da teologia e da pastoral. Para a TdL é líquido e certo: o ponto de partida tem que ser a “realidade dos pobres”. Mas não vê que está aí confundindo dois sentidos de “ponto de partida”: como mero começo (material, temático, cronológico ou ainda prático) e como princípio (formal, hermenêutico, epistemológico ou ainda teórico). Ora, “pobre” pode ser “ponto de partida” como “começo” (começo de conversa), mas não como “princípio” (critério determinante).

Por certo, “pobre” pode ser também um princípio, fornecendo o que se chama de “ótica dos pobres”. Mas, mesmo aí, trata‐se apenas de um princípio segundo e regido, e nunca do princípio primeiro e regente, como dissemos acima. Ora, a TdL, nesta discussão, cai nesse qüiproquó, investindo inconscientemente seu ponto de partida, o pobre, com a dignidade de princípio primeiro ou fundamental. Daí o equívoco subseqüente de se tomar por uma teologia subsistente por si.

Mas, fazendo assim – e aqui o repetimos – a TdL mostra que ignora o seu estatuto próprio: o de ser precisamente uma “teologia de segunda ordem”, que pressupõe teoricamente uma “teologia de primeira ordem”, como a espécie pressupõe o gênero. Ela não se dá conta de que para ser um bom teólogo da libertação não basta ser apenas teólogo da libertação: precisa ser antes ainda, e principalmente, “teólogo da fé” (com o perdão do pleonasmo).

Portanto, por falta de rigor, clareza e vigilância epistemológica, a TdL se põe num plano inclinado, escorregando sempre mais e caindo na falha mortal apontada: o viés à inversão do princípio e a conseqüente instrumentalização social, política e ideológica dos conteúdos da fé. Digamos falha “mortal” porque, levada a termo, termina pela morte da TdL, o que seria uma imensa perda para os pobres e para a Igreja.

Como se vê, estamos aqui diante de uma “questão de princípio”. Ora, uma questão de princípio é, por definição, uma questão grave, cujas conseqüências podem ser fatais. E numa questão grave não é admissível uma posição problemática, nebulosa e equívoca. Uma questão de fundamento é uma questão fundamental. Se o fundamento é mal posto, todo o edifício é comprometido. Desse jeito, como pode uma teologia ir para frente sem esbarrar continuamente em aporias?

Gravidade das conseqüências

Se grave é, pois, a questão e graves seus equívocos, graves são também seus resultados. Pois o princípio informa todo um discurso. Quando se começa uma caminhada na direção errada, quanto mais se avança, mais se distancia do destino. E assim também os frutos da TdL, que são reconhecidamente notáveis, acabam “pegando broca” e com o tempo se deteriorando.

O resultado geral da inversão prática de princípio (de Deus para o pobre) é enfraquecer e mesmo esvaziar a identidade cristã, e isso em vários planos:

1. No plano teológico. A teologia vai perdendo seu caráter próprio, para adotar um tom mais sociológico e pólítico, agora de tipo religioso‐pastoral. Perde também fecundidade teórica, suas produções reduzindo‐se cada vez mais a serem meras “variações sobre o mesmo tema”. Pior, as grandes intuições da TdL viram chavões repetidos ad nauseam, sobretudo na “vulgata militante” da TdL.

2. No plano eclesial. A “pastoral da libertação” se torna um braço a mais do “movimento popular”. A Igreja se “onguiza”. Então se esvazia mesmo fisicamente: perde agentes, militantes e fiéis. Os “de fora”, à exclusão dos militantes, sentem escassa atração por uma “igreja de libertação”. Pois, para o compromisso, dispõem das ongs, mas para a experiência religiosa precisam mais que de simples libertação social. Ademais, por não perceber a extensão e relevância social da atual inquietação espiritual, a TdL se mostra culturalmente míope e historicamente anacrônica, ou seja “alienada” de seu tempo.

3. No plano da própria fé. Reduzida a ideologia mobilizadora, a fé vai perdendo cada vez mais substância, até se esvaziar totalmente. O que sobra é uma “hermenêutica cristã da existência humana”, tal como se exprime de modo modelar na vulgata teológica chamada “rahnerismo”, que subjaz à TdL e que aqui não é possível discutir. Em suma, a substância da fé acaba em mero discurso, portanto, em qualquer coisa de irrelevante. Pois, como se ouve nos meios “liberacionistas”, o que importa não é tanto a Igreja ou Cristo, quanto o Reino.

A “prova dos frutos” mostra que a TdL necessita de uma oportuna pulverização crítico-epistemológica e, mais ainda, de adubar suas raízes.

Por que a inversão de base da TdL: o choque do contato com a pobreza

Precisamos a esta altura compreender, sem necessariamente aprovar, as razões que levaram a TdL a se concentrar de fato no pobre, deixando na sombra o Fundamentum. Aqui seremos sintéticos ao extremo.

A explicação mais imediata é a mencionada: o descaso epistemológico e a inversão de princípio que ele tacitamente autorizou. Daí que o pobre e sua libertação tomaram o lugar primacial de Deus e de sua salvação (sem falar ainda da inversão existencial que subjaz à epistemológica e que tem a ver com o primado de Cris‐to na própria vida).

Falando agora de modo mais geral, pode‐se encontrar por trás dessa inversão um dado histórico-existencial, sobre o qual a TdL insiste com razão ao se referir à “experiência de Deus no pobre”: é o drama social da América Latina, feito de pobreza, opressão, exclusão.

A “irrupção do pobre” na Igreja abalou de tal modo a teologia que esta balançou realmente em seus próprios fundamentos. Ocorreu então um caso de hísteron próteron epistemológico: o depois veio antes. Não precisava ser assim (de jure), mas foi assim (de facto). A fé aí não pareceu bastante forte para manter ou então recuperar a pole position. Daí que o princípio in se cedeu diante do princípio secundum quid. O “regime das excelências”, onde Deus detém a primazia, foi atropelado pelo “regime das urgências”, vindo o pobre em primeiro lugar.

Deste modo, o “urgentismo histórico” levou a investir o quanto pode, do conteúdo da fé, no que foi tido como o opus maius: a libertação histórica dos oprimidos. Daí também a tentação de “qualqueirismo epistemológico” à la Feyerabend: anything goes em teologia, desde que os pobres tirem disso vantagem.

Mas, como o Magistério não cansa de lembrar, esse imediatismo, com todo o seu pathos, redunda, a médio ou longo prazo, em outras formas de pobreza e opressão. De fato, a história dá sobejos exemplos de que a inconsistência veritativa se paga com a inconsistência sociopolítica. Só a verdade liberta verdadeiramente (cf. Jo 8,32.36). Para se obter realmente a libertação é preciso mais que apenas a libertação: é preciso – digamo-lo sem medo – Salvação! Somente a Transcendência redime a imanência.

Cedimento ao espírito da Modernidade

Existe, contudo, uma razão mais ampla para explicar a concentração da TdL na questão da pobreza e de sua superação. É o tributo que ela pagou, de modo, aliás, bastante ingênuo, à decantada Modernidade e à sua glorificada “revolução copernicana”. De fato, a Modernidade pôs o homem no centro, em lugar de Deus. É a virada antropocêntrica: o homem, com sua razão, liberdade e poder, como o novo axis mundi.

Deixemos aqui de lado a tendência fática do homem pós-lapsário (e que não é só do homem moderno) para essa inversão e também as tentativas teóricas para justifica-la, como a dos Sofistas com seu lema “o homem, medida de tudo”, refutados por Platão, bem como a do estóico Varrão e sua “teologia política”, esse, contradito por Santo Agostinho. À diferença dessas tentativas, a da Modernidade reveste um caráter macroscópico, vale dizer, civilizacional.

O fato é que a teologia cristã também cedeu à deriva antropocêntrica do espírito moderno, e o fez sem clara consciência de seu preço para a fé. No Protestantismo isso se deu com Schleiermacher e a “teologia liberal”, controbatido por Barth com sua “teologia dialética” (mas que não foi bastante “dialética” a ponto de incorporar os legítimos desafios antropológicos levantados pela modernidade).

No Catolicismo, a “modernização” teológica veio, primeiro, com o movimento “modernista”, reprimido com a Pascendi de Pio X, e depois, sob o nome de “virada antropológica”, com Rahner e sua “teologia transcendental”, que teve seus êxitos, mas frente à qual grandes teólogos, como De Lubac, Von Balthasar e Ratzinger, mantiveram uma distância suspeitosa (sem contudo proceder a uma crítica cerrada). Foi assim que a teologia se “modernizou”, antropologizando-se: o homem como o sol, e Deus, seu satélite. Omnia ad maiorem hominis gloriam, etiam Deus.

Acrescentemos que essa antropologização modernizante teve, como seus grandes precursores, Lutero com seu soteriologismo (Deus-para-mim) e Kant com seu moralismo (Deus = postulado da ordem moral). Mas foi Feuerbach quem levou esse processo até às últimas conseqüências quando anunciou o primeiro princípio da “Filosofia do futuro”: “Os tempos modernos têm por tarefa... a transformação e a resolução da teologia em antropologia”. Eis aonde chega uma teologia que, na necessária dança com a modernidade, em vez de levar o parceiro, se deixa levar por ele.

Nesse contexto é compreensível que também a TdL tenha embocado a rota antropocentrizante do espírito moderno. Só que para ela o centro não era mais simplesmente o homem, mas o homem pobre. O seu era o antropocentrismo “da libertação”. Contudo, nela, também o novo centro temático e perspético ameaçava suplantar o antigo e perene Centro da fé, de maneira que, aqui, o lema da modernidade ressoaria assim: omnia ad maiorem pauperis gloriam, etiam Deus.

Da inversão antropocêntrica, seguiu-se a instrumentalização geral a que a Modernidade submeteu todos os valores. Nisso estão de acordo Weber e os pensadores da Escola de Frankfurt, com sua idéia de “pensamento instrumental”, assim como Heidegger com sua teoria do Gestell (instalação, dispositivo). De tal intrumentalização não escapou sequer a religião. No plano econômico, é por demais conhecida a manipulação que ela sofreu nas mãos do Capitalismo, o rebento mais robusto da Modernidade. Agora, no plano sociopolítico, a religião se torna mero instrumentum regni, como é claro em Hobbes e Rousseau. Já o swingliano Erasto será o primeiro teólogo a legitimar a submissão da religião ao poder de Estado.

Quanto à TdL, não se viu livre da tentação de politizar a fé, na medida em que encorajou os cristãos para a luta social sob a insígnia, de sabor maurrasiano, libération d’abord. Aqui o Cristianismo é tomado como instrumentum regni dos pobres, mas nem por isso deixa de ser usado instrumentalmente. Nessa ótica, a fé é vista, antes de mais nada, como função da libertação dos pobres.

A história mostra que, caminho andando, a religião politizada foi-se dissolvendo na própria política, de tal modo que esta absorveu a substância daquela, tornando-se ela mesma religião: Ersatzreligion. Os totalitarismos não passam da expressão extrema da “secularização da religião”, ou seja, de sua radical antropologização política, como viu, entre outros, K. Löwith. Por sua parte, C. Schmitt mostrou que a política moderna é, no fundo, religião secularizada. O Estado seria um deus visibilis, que Hobbes já representara na figura de Leviatã.

É assim mesmo: o destino fatal de quem se põe no lugar de Deus e o usa para seu benefício é tomar-se por deus. De modo análogo, uma TdL que “consome” fé cristã sobretudo para a libertação, se arrisca de “consumir” essa fé e também a si mesma. A “libertação” pode devorar a “teologia”.

O sobrenaturalismo da fé: responsável pela mundanização da fé

Mas, por que a Modernidade antropologizou e, mesmo, politizou tudo, inclusive a fé cristã? Como mostrou especialmente H. Blumenberg, isso se deu, em boa parte, em reação violenta contra o “totalitarismo teológico” da Igreja de cristandade, seja lá como esse totalitarismo tenha sido chamado: sobrenaturalismo, divinismo, augustinismo político, espiritualismo, fundamentalismo ou integrismo.

Portanto, o cristianismo histórico tem, por seu extremismo “divinista”, parte de responsabilidade no extremismo “mundanista” da Modernidade, que lhe é diametralmente oposto. Ademais, com o favor da abertura conciliar, o extremismo moderno conseguiu entrar, de forma irrompente e, mesmo, rupturista, no seio da própria na Igreja.

Por conseguinte, a “irrupção do mundo” no espaço eclesial envolveu o risco de “mundanização” da teologia, assim como a “irrupção dos pobres” o fez em relação à teologia latino-americana. Só que neste último caso o processo se deu à esquerda e o risco foi em boa parte contido sobretudo pelo vigor do sensus fidei tanto dos simples fiéis como dos pastores.

Mas, com a mudança epocal que está se abrindo, após a “tese” da Cristandade e a “antítese” da Modernidade, abre-se também para Igreja e a teologia a chance histórica de uma “síntese”: a harmonia entre fé e mundo e, em particular, entre fé cristã e política de libertação.

Fecho desta primeira parte

Encerrando esta primeira parte, queremos relembrar que o questionamento crítico feito até agora acerca dos fundamentos da TdL não entende refutar essa corrente, mas repô-la em seus fundamentos originários. Pois só assim poderá ser “salva”, “salvando” consigo os preciosos frutos que produziu, especialmente a opção preferencial pelos pobres e a fé como força de libertação.

Como se vê de imediato, esta primeira parte é apenas a pars destruens de nossa reflexão, ainda que os princípios de solução tenham sido claramente apontados. Para a pars construens, queremos recorrer a Aparecida. As razões dessa opção ficarão claras pelo que se dirá em seguida.
II. Aparecida: a Limpidez do princípio

Apreciação geral do Documento e razão de sua chamada em causa

Digamos, para começar, que Aparecida recapitula e leva à maturação toda a caminhada da nossa Igreja latino-americana e caribenha. É uma “surpresa do Espírito” (nada fazia prever este resultado magnífico), um “milagre de Nossa Senhora Aparecida” (que, a pedido do Papa, assumiu para valer a direção dos trabalhos), assim como um “dom do Pai das luzes” em favor de nossas igrejas. Esse Documento faz honra ao episcopado de nosso Continente.

Na base do sucesso do texto episcopal estão, entre outros, estes fatores: o amadurecimento da nossa Igreja latino-americana, tanto em seus pastores, como em seus teólogos e em suas comunidades eclesiais; o magistério de Bento XVI, especialmente sua mensagem na abertura da Vª Assembléia; e, sobretudo, o sopro do Espírito Santo, invocado por tantos fiéis de nossas comunidades “em união com Maria, mãe de Jesus” (At 1,14).

Mas o que nos leva a recorrer ao Documento de Aparecida, no que tange ao questionamento da TdL, é o fato de que esse texto é uma límpida demonstração de como é possível resolver a contento a vexata quaestio aqui levantada: a articulação correta entre fé e ação libertadora. Como vimos, esta relação, a TdL não a resolveu de modo satisfatório, e isso porque partiu de um princípio equívoco, para não dizer errôneo. Já Apareci‐da resolveu essa relação, articulando‐a de modo feliz, e isso justamente por ter partido do princípio claro e correto, como mostraremos em breve.
Instrutivo confronto entre Aparecida e TdL

É útil estabelecer aqui um breve confronto entre a metodologia da TdL e a de Aparecida. Podemos, de modo extremamente conciso, apresentar este confronto assim: a TdL parte do pobre e encontra Cristo; Aparecida parte do Cristo e encontra o pobre. Dizer que são metodologias reciprocamente complementares é pouco. É preciso também e principalmente ver as respectivas diferenças e a hierarquia que se impõe entre as duas.

Efetivamente, a metodologia de Aparecida é uma metodologia originária e principal, enquanto a outra só pode ser derivada e subalterna. Por isso também a primeira é mais ampla. Pois, se Bento XVI foi teologicamente certeiro quando, abrindo a V Celam, declarou: “a opção pelos pobres está implícita na fé cristológica”, então fica claro que o princípio-Cristo inclui sempre o pobre, sem que o princípio‐pobre inclua necessariamente Cristo. Por outras palavras: para ser cristão é preciso absolutamente se comprometer com o pobre: agora, para se comprometer com o pobre, não é, em absoluto, necessário ser sempre cristão.

Além disso, a metodologia de Aparecida é mais lógica: de Cristo vai-se necessariamente ao pobre, não, porém, necessariamente do pobre a Cristo. Por tudo isso, a metodologia de Aparecida pode incluir a da TdL e pode funda-la, enquanto que a recíproca não é verdadeira.

A questão decisiva: o ponto de partida formal ou fundante

Lembremos que nosso questionamento nesse trabalho gira todo inteiro em torno do principium ou do fundamentum da TdL. Ora, qualquer teologia, para se renovar e mesmo corrigir, precisa sempre “voltar à fonte”, que é o mesmo dizer: retornar a seu princípio vital, à sua raiz.

Pois bem, a fonte originária da teologia não é outra senão a fé em Cristo. É verdade: “só Jesus salva”, e “salva” inclusive, em teologia, a opção pelos pobres. Aí está o principium grande de tudo no Cristianismo, tanto na vida, como no pensamento. E desta arché, a fé em Cristo, abre-se a perspectiva verdadeira de toda teologia autenticamente cristã: ver tudo “à luz da fé”, por outras, à luz do Deus de Jesus Cristo. Aristóteles chama, às vezes, o “princípio regente” de kyrios. Ora, o kyrios da Teologia não pode ser outro senão o Kyrios da fé, da Igreja e da História. Mas, como se processa tal “senhorio epistemológico” no discurso concreto da teologia?

Ora, é precisamente nesse ponto que o Documento de Aparecida nos parece modelar. Nele, tudo parte de Cristo e, a partir dessa Arché, se recuperam todas as grandes questões que desafiam a Igreja, inclusive (e principalmente) a questão dos pobres e do compromisso libertador (e se recupera, ao mesmo tempo, a problemática atual da Sinnfrage e da busca do divino, de modo, assim, que o Documento “mata dois coelhos com uma cajadada só”).

E mesmo quando a V Conferência parte dos pobres, seguindo o método “ver, julgar e agir”, faz isso apenas materialmente (para contentamento dos TdL), pois formalmente parte sempre, antes ainda, de Cristo. Por outras palavras, a ótica dos pobres se põe essencialmente dentro de uma ótica anterior e maior, que é a da fé cristológica. Esta última não é aí apenas pressuposta, mas sustenta o discurso pastoral por inteiro, conferindo-lhe sua forma vital e mesmo lingüística. É assim que o Documento sempre fala de Cristo em “um tom mais alto” de como fala dos pobres, para usar uma feliz ex‐pressão de Barth.

Em verdade, a feliz articulação que Aparecida estabeleceu entre fé e compromisso, partindo do primeiro termo, já estava dada em filigrana no próprio lema daquela Assembléia: (1) “Discípulos (2) e Missionários de Jesus Cristo, (3) para que n’Ele nossos povos tenham vida”. Os bispos só tiveram o trabalho de desenvolver em toda a sua amplitude os articuli aí postos.

Vamos analisar logo abaixo, como o episcopado latino-americano e caribenho, in actu exercito de seu discurso pastoral, se desincumbiu desta tarefa. Para tal análise, que método deveremos usar? Descartamos aqui, de entrada, como intelectualmente desonesta, uma “hermenêutica garimpeira”, que só pega o que quer pegar, perdendo o essencial do Documento.

Nosso método buscará, antes, destacar o andamento geral do Documento, ou seja, sua lógica interna, assim como os princípios que dão ao texto sua estruturação e seu dinamismo. Com o “principial”, esperamos colher o “essencial” da mensagem da Vª Conferência.

Acrescentemos que constatar “sombras” no magistério de Aparecida é um ato quase perfunctório de todo o teólogo que se quer crítico. Mas, em relação à problemática vertente, elas nos parecem tão irrelevantes que aqui as relevamos.
1. Ponto de arranco: fé como encontro com Cristo

O Documento começa bem. Começa por onde devia começar. “Começa pelo começo”: Cristo, a fé em Cristo, o Salvador, o Senhor, o Filho de Deus, o Amor do Pai manifestado ao mundo.

Explicitemos esse primeiro ponto. A fé em Cristo é aí apresentada como “experiência de encontro”. “Encontro” é a grande categoria, repetida mais de cinqüenta vezes. Ela define a essência íntima da fé cristã. Fé é encontro de pessoa a pessoa, encontro vivo com o Cristo vivo.

O Documento diz mais: diz que tal encontro é necessariamente transformador. Transforma toda a vida, em todos os seus níveis: pessoal, comunitário, social, e ambiental-ecológico.

Comentemos. O “ponto de partida” formal ou determinante do Documento de Aparecida não é a realidade, a história, ou a práxis, ou ainda o pobre e o sofredor. Mas também não é a doutrina da fé, os princípios dogmáticos. O ponto de partida é Aquele que é, nas palavras da Escritura, o próprio “Princípio”, o “Alfa” de tudo, o “Primogênito”, o “Príncipe” em absoluto.

O texto de Aparecida sublinha tão fortemente o primado da opção por Cristo que não quis se deter no lado negativo que existe realmente no mundo e mesmo na Igreja. Quis ser só a favor: a favor de Cristo, dos afastados da fé, dos pobres e de sua libertação.

A respeito da fé em Cristo, o Documento usa expressões que entendem tolher à fé o sentimento de banalidade com que vem freqüentemente envolta, devolvendo-lhe o sabor nascivo e a aura de excelência. Nessa linha, afirma que a fé é a “grande novidade” (n. 348), novidade perene, que não perde o viço; é a Boa-nova permanente da Igreja, mensagem sempre nova; é a “prioridade n° 1” da Igreja; é a grande “descoberta”, a “revelação”, o “acontecimento”, o “tesouro” e a “pérola preciosa” que a Igreja possui e que oferece ao mundo.

Está aí o princípio estruturante, e não só genético, de toda a vida da Igreja: de sua fé e de sua missão. Esse é o Fundamento de tudo. É a Fonte de água viva, jorrando permanentemente na Igreja e transbordando para o mundo. Nessa linha, o Documento declara que, em toda a vida da Igreja, se há de começar e “recomeçar de Cristo” (n. 12, 41 e 549).

Pondo Cristo no princípio do Documento, a Celam optou por uma embocadura plenamente teológica. E vazada em linguagem existencial. Que suscita simpatia e arrebata de imediato o consenso. Portanto, uma grande “jogada” de nossos Pastores, um magnífico tento, logo na entrada!

Que implicações concretas (existenciais e pastorais) têm o fato de nossa Igreja assumir ou, melhor, reassumir este “ponto de partida”?

Implica antes de tudo favorecer de todas as formas uma relação inter-pessoal, de amizade, de intimidade, de amor‐paixão pela pessoa de Cristo. É isso precisa‐mente que significa ser “discípulo”. Aqui, em verdade, somos remetidos à esfera da espiritualidade ou da mística.

Tal prioridade não vale só “para os outros”, como tendem a pensar os agentes de pastoral. Vale antes para cada cristão. A evangelização é, em primeiro lugar, auto-evangelização.

E nessa interpelação de encontrar Cristo através da oração, da Palavra, da Eucaristia, entram também os próprios Pastores (n. 177). Os bispos se auto-incluem (n. 186) e incluem também os outros pastores: os padres (n. 199), os párocos (n. 201), os seminaristas (n. 319) e os agentes de pastoral em geral (n. 352).

Impressiona e comove essa forma auto‐implicativa de falar de espiritualidade. É coisa nova e mesmo estranha num documento pastoral, que se dirige aos outros, ao povo, sem envolver normalmente os emissários.

Para operacionalizar pastoralmente esse “encontro com Cristo”, conteúdo existencial da fé, Aparecida oferece uma proposta concreta para todo o Continente (n. 277). Tal proposta, segundo o texto, deverá envolver todas as estruturas pastorais. Trata-se de um preciso “itinerário formativo (todo o cap. VI). Tal itinerário tem seu coração na mistagogia, isto é, numa primeira “iniciação à vida cristã” (n. 286-294).
O objetivo desse itinerário é, como diz o próprio termo “iniciação”, iniciar a pessoa ao mistério de Cristo, ou seja, leva-la, como pela mão, ao encontro direto com Cristo. Como? Através da escuta orante da Palavra, do exercício da oração, do amor à Eucaristia.

O primeiro efeito interior do Encontro é a conversão: o tornar-se “nova criatura”, filho de Deus. Isso é vida nova, coração novo. Eis o que é um cristianismo de “iniciados”, de gente que “experimentou” Algo, de “místicos”, como queria Rahner. É daí que irrompe, quase automaticamente, a missão e o compromisso no mundo, como veremos mais adiante.

Tal é o dado originário da vida da Igreja. Originário e também original, pois dá originalidade a tudo na Igreja: à palavra, à sua missão e ao seu empenho por justiça. Essa entrada cristológico-iniciática, além de ser acertada do ponto de vista teológico, é acertada também do ponto de vista pastoral.

Pois, nosso catolicismo popular, embora exaltado em Aparecida (n. 258‐265), inclusive como o “tesouro mais precioso que tem o povo”, é um catolicismo feito mais de tradição que de convicção pessoal, mais de cultura que experiência espiritual. Daí sua vulnerabilidade aos avanços, tanto das “seitas” e de seu proselitismo, quanto do atual “secularismo” e de suas seduções sensual-materialistas. E daí também o déficit, que, desde Medellín, diminuiu, mas que permanece ainda grande, em termos de consciência social e de compromisso político.

E mesmo o Catolicismo das minorias ou elites (bispos, padres, freiras, agentes, militantes, intelectuais) é mais doutrinário que experiencial, mais ideológico que personalista, mais gnóstico que existencial, mais moralista que místico, mais muscular que cordial, enfim, mais prático que teopático.

Notemos ainda a linguagem, estilo ou tom do Documento. Isso também foi acertado. Trata‐se de uma linguagem comunicativa, que desperta a alegria de crer, o entusiasmo de anunciar e o ardor de lutar. Além disso, é bastante homogênea. Sua unidade interna provém da unidade de seu centro vivo, que é Cristo, que é a fé viva em Cristo.

Enfim, é uma linguagem espiritual, ungida, alvissareira. É nova, original, justamente por ser originária, isto é, por nascer do estupor de um Encontro. Ela se mostra congenial a seu tema, “exprimindo de modo espiritual as coisas espirituais”, como queria S. Paulo (1Cor 2,13).

Como a Assembléia episcopal chegou a tal linguagem, de verdadeira comunicação evangélica? Não foi por um esforço meramente literário, que se trairia por sua artificialidade. Foi antes porque esta linguagem emanou da vida e da experiência de nossa Igreja, que os pastores e teólogos-assessores aí estavam interpretando. Uma linguagem dessas não se consegue em três semanas. É uma questão de vida. Ela fala da vitalidade espiritual e pastoral de nossas igrejas e de seus pastores.

Explicitemos rapidamente alguns dos traços mais evidentes da linguagem de Aparecida:

– é leve: lê‐se bem; não é pesada ou enfadonha;
– é clara: límpida, compreensível;
– é positiva: prefere o incentivo à crítica, embora não deixe de ser realista e profética a seu tempo; usa de bom grado termos evocativos como: alegria, prazer, entusiasmo, ardor, audácia, felicidade, plenitude, beleza, maravilha, vida (muito), amor, esperança, graça, ação de graças, louvor, bênção, tesouro, riqueza, dom, presente etc.;
– é estimulante: animadora, levando à adesão concreta; é prática, pastoral e propositiva;
– é serena: e segura; faz “sentir firmeza”; infunde fé no poder da fé; mas sem falsa segurança ou presunção, porém com humildade;
– é equilibrada: harmoniosa, ordenada, bem articulada.

Concluindo esta parte, digamos que o achado genial e inspirado dos bispos foi ter partido formalmente de onde parte e só pode partir a vida cristã: de Cristo, da fé em Cristo, do encontro vivo com Cristo.

“Ora – dir-se-á –, isso é o óbvio. É a evidência mesma”. Mas eis a grande ilusão: o déjà vu em relação ao Cristianismo; achar que já se conhece a fé cristã; que ela já não oferece mais nenhuma novidade; que não precisa mais ser, a cada vez e sempre, reencontrada em sua originalidade perene. Os bispos não: como os profetas (e os poetas e as crianças), viram o “óbvio”, proclamaram o “evidente”. Aí está sua genialidade.
Repitamos: Cristo, encontrado e seguido, é o princípio determinante de tudo o mais. O que os bispos dirão em seguida será todo informado e moldado por ele, como por um vento que verga todo um trigal na direção em que está soprando; como por um fermento que leveda toda a massa; como por um sal que dá gosto a toda a comida.

2. Os desdobramentos da fé: evangelização e compromisso

Toda a vida da Igreja flui do encontro com Cristo, da comunhão com Ele através da fé e, especialmente (e nisso insiste Aparecida), da Eucaristia. Portanto, a missão da Igreja provém do coração da fé. O encontro com Cristo impele necessariamente a Igreja para o mundo.
Essa missão tem dois momentos. O primeiro é o anúncio de Cristo, como Aquele que enche o coração humano de alegria e paz, e enche a vida de sentido (aliás, a “questão do sentido” é recorrente no Documento, sendo tematizada nos n. 36‐42). Pois, quem arde com o fogo de Cristo, ilumina e aquece naturalmente os outros. Portanto, o primeiro desdobramento da fé é a evangelização direta.

O segundo momento é o compromisso no mundo, na sociedade. É tornar-se “diante dos homens” luz de verdade e fermento de justiça. Aqui se situa toda a tradição profética e libertadora da nossa Igreja latino-americana. Se a primeira é propriamente a “missão religiosa” da Igreja, a segunda é especificamente sua “missão social” (cf. GS 42).

Notar a lógica entre a fé e a missão, seja ela evangelizadora, seja social; entre o encontro com Cristo e a tarefa de anuncia-lo às pessoas e torná-lo presente na ordem social. A lógica é esta: o segundo termo é sempre um desdobramento do primeiro. A prática da missão, tanto religiosa como sociopolítica, decorre da experiência da fé, assim como o rio flui da fonte, como a luz irradia do foco, e como a flor e o fruto provêm finalmente da raiz da árvore. Não há entre esses termos oposição nenhuma e nem mera justaposição, mas justamente desdobramento ou decorrência.

Explicitemos, a seguir, essas duas formas de missão, respectivamente evangelizadora e social.

2.1. Primeiro desdobramento da fé: a evangelização

Uma pessoa cheia de Cristo passa logo a anuncia-lo, como por transbordamento. O Documento fala da missão evangelizadora em termos extremamente positivos: trata-se de irradiar a Luz recebida, de comunicar a Alegria do encontro, de partilhar a Vida do amor (n. 145).

Voltemos a sublinhar a lógica que preside a missão de evangelização. Esta deriva como que espontaneamente do encontro com Cristo. É sua primeira conseqüência para fora. Da fé flui naturalmente o anúncio evangélico e evangelizador. O “discípulo” torna-se necessariamente apóstolo ou “missionário”, para evocar o lema de Aparecida.

Como se vê, a missão aqui não tem nada a ver com endoutrinação, propaganda ou preselitismo. É antes irradiação. É um “atrair”, como ímã, para Cristo, o verdadeiro “pólo norte do mundo espiritual”, como dizia Péguy.

Ao mesmo tempo em que proclama a alegria de crer, o discípulo‐missionário aprofunda, mediante a catequese, a “doutrina cristã”, ou seja, um conhecimento mais orgânico e completo da pessoa e da obra de Cristo.

Como no plano do “encontro de fé com Cristo”, também no da evangelização, Aparecida apresenta uma proposta concreta, que exige o envolvimento e a re‐estruturação de todas as pastorais: é a “Grande Missão Continental” (n. 362-364).

Trata‐se de passar de uma pastoral passiva, esperando que o povo venha a nós, para uma pastoral ativa, que “sai” ao encontro dos distantes (n. 370), dos que estão fora da comunhão de vida com Cristo, especialmente da grande massa dos católicos afastados. Esse não é um trabalho pontual, mas um esforço contínuo: é a Igreja que se põe, por inteiro, em estado permanente de missão evangelizadora.

O que motiva essa missão não é o intento de “reconquistar” os membros que a Igreja teria “perdido”, nem é de fazer “concorrência” com outros grupos religiosos. Trata-se mais simplesmente e mais puramente de comunicar a vida de Cristo e de partilhar a alegria do Evangelho. Que isso faça aumentar o rebanho católico é certamente um efeito feliz e mesmo esperado, mas não é a finalidade principal da missão continental. A glória da Igreja é a glória de Cristo.

2.2. Segundo desdobramento da fé: o compromisso de vida

Trata-se aqui do compromisso no campo ético, que, além da vida pessoal envolve a vida social. O compromisso na sociedade, “marca registrada” da pastoral latino-americana, é aqui retomado com novo vigor, vigor que no texto tem mais de teologia que de retórica.

Como é retomado o compromisso social? A resposta aqui é importante, pois diz respeito ao ponto verdadeiramente crucial do debate que levantamos na primeira parte.
Ora, no Documento, o compromisso social é retomado “a partir da experiência de fé em Cristo”. Portanto, aí o compromisso libertador deriva diretamente do seguimento. Quem ama Cristo, ama também os irmãos, especialmente seus preferidos, os pobres e todos os excluídos, cujos rostos o Documento descreve em várias passagens (n. 65, 402 e, especialmente, 407-430).

Notar igualmente aqui a lógica que anima o compromisso: ele arranca do encontro com Cristo. Quem encontrou Cristo vai ao encontro do irmão pobre e sofre‐dor. Aqui, o social deriva do espiritual.

É, aliás, a lógica que se vê também no NT, especialmente em João e nas cartas de Paulo. Ela se encontra inteira na fórmula: “Se sois luz, então comportai-vos como filhos da luz” (Ef 5,8). Portanto, essa lógica não é a dos bispos ou de quem quer que seja. Ela se funda na própria natureza da Revelação, que consiste numa vida nova, a qual leva naturalmente a um novo agir.

Com sua idéia de uma ação que jorra “da superabundância da vida contemplativa”, S. Tomás não diz outra coisa (cf. ST II‐II, q. 182, a. 1, ad 3). Nietzsche, por sua parte, pregava a “virtude dadivosa”, insistindo nu‐ma ação que fosse fruto da riqueza interior e não da carência pessoal (Zaratustra, parte I, último cap.). Mas, para que citar mais autores? Essa é a lógica das coisas mesmas: agere sequitur esse: a ação flui do ser. Aparecida nada mais fez que aplica-la à fé e à pastoral.

Sem dúvida, permanece a incontornável questão das mediações concretas entre fé e política, mas elas só se referem à forma externa da ação, não à sua substância íntima. A fé é chamada a ser a “alma” de toda política, mesmo em sua estrutura própria. A rigor, a política é autônoma, não autárquica. Isso significa que, apesar de gozar de leis próprias, a ação política permanece sempre dependente de seu Criador e, portanto, aberta a um investimento religioso. Deste modo, entre fé em Cristo e vida social não há mais paralelismo e, menos ainda, contradição.

Nesta ótica, plena e claramente espiritual, de tipo existencial e interpessoal, o compromisso de libertação vem todo impregnado de Cristo, que se encontrou no caminho da vida e que se quer amado na vida e reinando na sociedade. Deste modo, a fé informa e anima de alto a baixo toda a missão da Igreja, inclusive a sociopolítica.
Isso vale de modo todo particular para os cristãos leigos, que têm no social sua arena própria de prática direta e concreta da fé. Nisso insiste Aparecida, destacando, como dever pastoral da Igreja, a necessária formação política do laicato (n. 501-508). Mas que toda a prática social dos leigos se desenvolva “com Cristo, por Cristo e em Cristo”. É o sentido da cláusula “n’Ele”, introduzida pelo Papa na segunda parte do slogan da Vª Celam: “Para que n’Ele nossos povos tenham vida”.

De resto, o tema “vida” é a grande idéia que estrutura todo o Documento em suas três grandes partes, sendo nomeado no título de cada uma delas. A tripartição é feita de acordo com a metodologia, já clássica na América latina, do “ver, julgar e agir”, metodologia essa que, repitamos, tem antes uma validade material (temática e expositiva) que propriamente formal (determinativa e fundadora).

Igualmente, é na perspectiva da fé‐encontro que vem reassumida a irreversível “opção preferencial pelos pobres” (n. 391-398, esp. 396). Quem encontra Cristo não pode não encontrar o pobre. O Documento insiste na qualidade “evangélica” desta opção, no sentido de que deve ser toda embebida do espírito de Cristo. Por isso mesmo, tal opção é apresentada à distância de todo exagero ou “ideologismo”, chame-se isso politicismo, militantismo, ativismo ou mesmo moralismo.

Aparecida não evita o vocabulário da “libertação”, mas o usa escassamente, talvez pelas conotações ambíguas e polêmicas de que vem cercado. Recupera, contudo, seu conteúdo sob outros conceitos, como promoção social, amor feito justiça, transformação das estruturas, pobres: sujeitos de direitos etc.

De resto, a Vª Conferência não se detém nas dificuldades e crises de nosso tempo, nem na complexidade da sociedade atual com os imensos riscos da globalização. Apostam, antes, no Cristo vivo, presente na Igreja, com sua inspiração e sua força. Poderíamos dizer: os bispos “põem fé na Fé”.

À diferença dos outros dois pontos anteriores, para a parte social, Aparecida não ofereceu uma proposta continental concreta. Embora não deixe de oferecer indicações práticas, a V Assembléia parece apostar, mais que tudo, na “fantasia da caridade”. Esta é uma provocação à intervenção criativa e responsável dos cristãos leigos e também dos teólogos da libertação, enquanto ambos buscam “encarnar”, respectivamente na teoria e na prática, a Palavra eterna na “carne” do tempo.

Saída

Após todas essas observações críticas (na primeira parte) e propositivas (na segunda parte), como fica a TdL? A nosso ver, esta parece, grosso modo, estar ora se encaminhando na direção certa.

Observa-se, em primeiro lugar, que boa parte da TdL se incorporou naturalmente na teologia, sem mais. Ela passou, assim, a fazer parte integrante da “teologia normal” e do discurso da Igreja, em geral. Insere-se no órganon da teologia geral como seu “dispositivo social”. E continuará a se reabsorver lentamente no álveo da teologia global, levando aí toda a sua substância, como um afluente no rio principal. Assim também foi com os movimentos bíblico e litúrgico, que, de movimentos particulares, antes do Concílio, se tornaram depois bens comuns de toda a Igreja.

Que a TdL possa continuar, mesmo incorporada organicamente na teologia sine addito, arvorando a etiqueta que a designa, isso pertence ao legítimo pluralismo teológico. Poderá assim lembrar a toda teologia seu dever de integrar sempre mais a dimensão sócio-libertadora da fé, protagonizada pelos pobres. É assim também, aliás, que subsistem, na harmonia do corpo eclesial, os grupos mais diversos, cada um privilegiando um carisma particular.

Mas é também possível que parte da TdL resista e insista em se entender como uma teologia integral à parte, construída a partir de princípios próprios. Mas então será difícil evitar certa polarização em relação à teologia em geral, quando nada porque a inevitável desambigüização dessa corrente porá em evidência o caráter aporético de seu método. Pois o pobre não poderá agüentar por muito tempo nas costas o edifício de uma teologia que o escolheu por base: cederá, antes de ser esmagado por ela, como a história não se cansa de mostrar.

O certo é que a evolução teórica da TdL não se dará de modo automático, graças à simples “força das coisas”. Pois nenhuma situação histórica resolve por si só problemas teóricos. Problemas teóricos se resolvem teoricamente. Quando se tenta resolve-los por mera remoção (mediante repressão ou então por simples descaso), reaparecem como erva daninha, cuja raiz foi deixada.

Daí também a razão e a intenção destas linhas. Buscando rigorizar a discussão sobre o estatuto epistemológico da TdL e procurando assim esclarecer e resolver sua problemática de fundo, talvez possam contribuir a dissolver a polarização gerada por ela e favorecer, deste modo, a catolicidade sinfônica da teologia.

Isso só poderá redundar na felicidade dos pobres, na glória de Deus e na confusão do diabo (cf. LG 17).

Curitiba (PR), Brasil, agosto de 2007


Histórico: Papa Francisco e líderes religiosos assinam declaração contra a escravidão

Histórico: Papa Francisco e líderes religiosos assinam declaração contra a escravidão

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

[TEXTO COMPLETO]: Declaração conjunta do Papa Francisco e o Patriarca Ortodoxo Bartolomeu I

[TEXTO COMPLETO]: Declaração conjunta do Papa Francisco e o Patriarca Ortodoxo Bartolomeu I

Documentos Importantes

Segue a lista de alguns documentos importantes para o entendimento da Doutrina Social da Igreja:

Compêndio da Doutrina Social da Igreja

Divinis Redemptoris - Carta Encíclica sobre o Comunismo

Rerum Novarum - Sobre a condição dos trabalhadores





Caritas in Veritate - Sobre o Desenvolvimento Humano Integral

A Doutrina Social


§2419 "A revelação cristã leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social." A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade do homem. Quando ela cumpre sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina.

§2423 A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão apresenta critérios de juízo, orienta para a ação. Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e de seus atos.

§2424 Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social.
Um sistema que "sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva da produção" é contrário à dignidade do homem. Toda prática que reduz as pessoas a não serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem, conduz a idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo. "Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24; Lc 16,13).

§2425 A Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e atéias associadas, nos tempos modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo". Além disso, na prática do "capitalismo", ela recusou o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano. A regulamentação da economia exclusivamente por meio planejamento centralizado perverte na base os vínculos sociais; sua regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a justiça social, "pois há muitas necessidades humanas que não podem atendidas pelo mercado". É preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas econômicas, de acordo com uma justa hierarquia de valores e em vista do bem comum 

Fonte:  CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2. ed. Editora: Vozes, Paulinas, Ave-Maria, 199